Se pudéssemos regressar até à origem dos tempos, qual seria a probabilidade de me estar a ler neste momento?, neste preciso momento e neste mesmo sítio?
Praticamente inexistente: eis a resposta.
Uma resposta idêntica caso lhe perguntasse qual a hipótese da vida
surgir na terra. A vida é quase sempre um processo milagroso embebido de muito
acaso e mistério.
Perante este retrato do mundo, que vai da célula ao ecossistema,
apetece-me aqui questionar a nossa dificuldade em aceitar o acaso nas nossas
vidas; e isso, apesar dele ser diariamente omnipresente.
Uma pequena viagem histórica recordar-nos-á que antes da teoria da
Evolução de Darwin, datada de 1859, o principio era o da finalidade entrópica,
ou seja que o mundo existia para que o ser humano o desvendasse. (Um princípio que ainda hoje serve as teorias nunianas e aldinianas)
Então mas o que é que as teorias de Darwin nos trouxeram?
Além de instaurarem um novo paradigma científico, a teoria da evolução
das espécies introduz-nos à necessidade de haver diversidade numa primeira fase
para poder haver, num segundo momento, um processo de selecção natural; querendo
isso dizer que para que haja vida é sempre preciso que haja diversidade.
Não há cosmos que não nasça da organização dum caos: se entrarmos numa
floresta, aquilo que se parece com uma alegre confusão é na verdade o melhor
garante da vida.
E perante essa leitura científica, apetece-me questionar por que é que
passamos a vida a querer enxotar o acaso?
Ter-nos-emos tornado homens-coisas regidos pelas leis da técnica onde só
vale o que puder ser replicado e gerar alguma previsibilidade?
É que se assim for é o suicídio de toda uma espécie que estamos a
assinar com as nossas vidas.
Esta reflexão nasceu-me dum documentário sobre a vida selvagem: sabiam
que, fruto da selecção natural, as gazelas têm transmitido uma nova forma de
fugir do leopardo?
Como é que fazem?
Pois já que não conseguem correr mais rápido, inventaram uma espécie de
dança que é simplesmente o mais aleatória possível. Quanto menos for
antecipável o trajecto da gazela, maiores são as suas hipóteses de fuga e
sobrevivência. Diga-se que estamos sempre aqui a falar de hipóteses muito
remotas.
E o bom da coisa é que, nós humanos, também temos excelentes formas de
convocar esse acaso nas nossas vidas. Uma delas é o amor; outra o sexo: “uma
máquina extraordinária de produção de diversidade”, nas palavras de François
Jacob. Tudo ali se mistura, divide e reprograma.
Não
duvidem que se a vida se soube aguentar nesta terra por mais de 3500 milhões de
anos é precisamente porque a vida é uma fonte inesgotável de diversidade e surpresas.
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