sexta-feira, 1 de março de 2013

A Gazela e o Leopardo


Se pudéssemos regressar até à origem dos tempos, qual seria a probabilidade de me estar a ler neste momento?, neste preciso momento e neste mesmo sítio?

Praticamente inexistente: eis a resposta.

Uma resposta idêntica caso lhe perguntasse qual a hipótese da vida surgir na terra. A vida é quase sempre um processo milagroso embebido de muito acaso e mistério.

Perante este retrato do mundo, que vai da célula ao ecossistema, apetece-me aqui questionar a nossa dificuldade em aceitar o acaso nas nossas vidas; e isso, apesar dele ser diariamente omnipresente.

Uma pequena viagem histórica recordar-nos-á que antes da teoria da Evolução de Darwin, datada de 1859, o principio era o da finalidade entrópica, ou seja que o mundo existia para que o ser humano o desvendasse. (Um princípio que ainda hoje serve as teorias nunianas e aldinianas)

Então mas o que é que as teorias de Darwin nos trouxeram?

Além de instaurarem um novo paradigma científico, a teoria da evolução das espécies introduz-nos à necessidade de haver diversidade numa primeira fase para poder haver, num segundo momento, um processo de selecção natural; querendo isso dizer que para que haja vida é sempre preciso que haja diversidade.

Não há cosmos que não nasça da organização dum caos: se entrarmos numa floresta, aquilo que se parece com uma alegre confusão é na verdade o melhor garante da vida.

E perante essa leitura científica, apetece-me questionar por que é que passamos a vida a querer enxotar o acaso?

Ter-nos-emos tornado homens-coisas regidos pelas leis da técnica onde só vale o que puder ser replicado e gerar alguma previsibilidade?

É que se assim for é o suicídio de toda uma espécie que estamos a assinar com as nossas vidas.

Esta reflexão nasceu-me dum documentário sobre a vida selvagem: sabiam que, fruto da selecção natural, as gazelas têm transmitido uma nova forma de fugir do leopardo?

Como é que fazem?

Pois já que não conseguem correr mais rápido, inventaram uma espécie de dança que é simplesmente o mais aleatória possível. Quanto menos for antecipável o trajecto da gazela, maiores são as suas hipóteses de fuga e sobrevivência. Diga-se que estamos sempre aqui a falar de hipóteses muito remotas.

E o bom da coisa é que, nós humanos, também temos excelentes formas de convocar esse acaso nas nossas vidas. Uma delas é o amor; outra o sexo: “uma máquina extraordinária de produção de diversidade”, nas palavras de François Jacob. Tudo ali se mistura, divide e reprograma.

Não duvidem que se a vida se soube aguentar nesta terra por mais de 3500 milhões de anos é precisamente porque a vida é uma fonte inesgotável de diversidade e surpresas.


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