sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Acordo ortográfico


 Contrariamente ao que possa aqui parecer, eu sou a favor do acordo ortográfico. Poderá assemelhar-se a um contra senso a vários níveis: desde logo, porque acabo de dizer no texto anterior que a língua é uma invenção e não uma convenção; mais ainda porque passo a vida aqui a pôr c antes dos t e a resgatar fraseados quase que anacrónicos.

Mas se olharmos para as sucessivas tentativas de unificar as bases do português escrito, veremos que raros terão sido os actores desse processo que se tenham verdadeiramente predisposto a consensos. Portugal continua a ter comportamentos de uma nobreza deposta como se fosse dono de um português puro.

Compreendo todos os apegos a regionalismos e subtilezas mas acho que se está aqui a esquecer um aspecto essencial: o acordo tem por vocação formatar um registo da comunicação escrita portuguesa. Algo que permitirá que publicações académicas possam circular a outra escala; que o mundo do trabalho possa também ele sobrevoar os mares...

De fora hão de ficar as oralidades e outros níveis de comunicação escrita. Reparem que a pessoa que hoje escreve SMS's com k é a mesma pessoa que é capaz de dirigir uma carta de candidatura espontânea num português formal; a mesma ainda que saberá diferenciar um tu de um você noutros contextos; que saberá ler e entender o Eça do século XIX e que usará uns afro bués na sua linguagem de rua. É desta diversidade e elasticidade que depende a vitalidade de uma das línguas com maior potencial de crescimento neste início de século.

É claro que é preciso salvaguardar a possibilidade de um conjunto de duplas grafias serem mantidas deixando ao tempo o papel de definir que formas é que deverão resistir ao passar dos anos.

Agora confesso que esta visão semi-académica semi-protecionista do aqui é que se fala como deve ser em nome de um passado é a negação de valores de actualidade da língua. É graças a esses modelos embalsamados que anda tudo a escolher expressões e nomes em inglês na hora em que querem associar modernidade às marcas e slogans.

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