sábado, 22 de setembro de 2012

O Mediterrâneo


Desde sempre que o Mediterrâneo me tem falado. Não menos até do que a Europa, que corresponde a uma espécie de construção política com contornos por vezes incertos. Perguntem-me o que me liga a um polaco, e ver-me-ei com dificuldades em responder.

Já no caso do Mediterrâneo, revejo uma continuidade cultural muito mais natural. Desde a fisionomia à arquitectura passando pelas paisagens ou sabores. Faz, para mim, todo o sentido falar-se em cultura do Mediterrâneo.

Daí que quando há uns anos o então recém-empossado presidente Sarkozy se lembrou de falar na criação de uma União dos Países do Mediterrâneo a coisa tivesse feito todo o sentido para mim.  Fora infelizmente um projecto abortado no meio de muitos pela degradação da conjuntura mundial.

Essa União procurava, em bom rigor, contornar a espinhosa questão da integração turca na UE. Mas continha em si um germe que merece reflexão e que nasceu do pensamento de um dos homens mais sábios da nossa modernidade: o biólogo e filósofo Albert Jacquard. A ideia, introduzida em tempos por esta que é das figuras mais acarinhadas pela opinião pública francesa,  reside na vontade e necessidade de capitalizar as pontes culturais que ligam o Norte de África à Europa do Sul.

A título de exemplo, vejamos as tendências demográficas de um país como o Egipto. Nos últimos 50 anos, a população mais que triplicou e há previsões para que passe dos actuais 80 milhões para os 150 nos próximos 20 anos. Isso, necessariamente ligado à escassez de recursos e a níveis de instrução cada vez mais baixos. Compare-se essa realidade ao bunker europeu, cada vez menos povoado e cada vez mais instruído.  Antecipam-se aqui grandes núcleos de tensão de que as actuais tendências migratórias já são expressão.

A cultura surge aqui como forma de, desde logo, sublinhar as similitudes onde, de outra forma, nos ficaríamos pelas diferenças; diferenças que são geralmente assimiladas pela via da caricatura. Veja-se a questão da recente polémica sobre o suposto filme que denigre a figura do profeta. Claro está que os populismos religiosos se apressaram de resumir a figura do americano à imagem do herege enquanto do lado de cá muitos continuam a olhar para os árabes como um bando de aiatolás chalados.

Muito pode e deve ser feito: avizinham-se grandes núcleos de tensão aos quais todos estamos expostos.

Contudo, veja-se a juventude que encorpou as revoluções árabes e comparem-se as aspirações da mesma com os slogans dos indignados espanhóis, portugueses ou gregos... Há uma convergência possível e acredito que a bacia mediterrânica tenha agora uma excelente oportunidade de voltar a ser o berço de uma fusão de culturas, filhas de uma mesma época.

NB: Já agora, questiono como é que em Lisboa se tem um Museu que recorda as nossas ligações históricas ao Oriente e continuemos a não dispor de um espaço de aproximação com os países nossos vizinhos do continente africano.  



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